Doença de Crohn

Autores: Gustavo Carneiro Gomes Leal1, Dra. Genoile Oliveira Santana2, Dr. Jorge Carvalho Guedes3

1-Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Medicina
2-Médica Gastroenterologista e Professora da Universidade Federal da Bahia
3-Médico Gastroenterologista e Professor da Universidade Federal da Bahia

 

O que é? Qual a causa?

Doença de Crohn (DC), junto com a retocolite ulcerativa e a colite indeterminada, compõe um grupo de doenças do intestino chamado de doença inflamatória intestinal. Ao contrário das outras doenças inflamatórias intestinais, a doença de Crohn pode atingir todo o sistema digestivo, da boca até o ânus.

A DC acontece devido a um processo inflamatório de causa desconhecida na parede do trato digestivo. Por algum motivo que ainda não se conhece bem, as células de defesa do organismo começam a agredir os órgãos digestivos, causando as lesões típicas da doença. Ao contrário da retocolite ulcerativa, onde as lesões se restringem à camada situada na superfície interna do intestino, na doença de Crohn ela pode se aprofundar e até atravessar a parede.

Apesar de poder atingir qualquer parte do trato digestivo na maioria das vezes ela se restringe ao intestino grosso e à parte final do intestino delgado (íleo), causando ileocolite. Em um número menor de pessoas, a doença pode se limitar ao cólon. Algumas pessoas têm acometimento de outras partes, como boca, estômago, esôfago e outras partes do intestino delgado (duodeno e jejuno). As lesões peri-anais (ao redor do ânus) são bastante comuns na DC, formando fístulas, que são orifícios dos quais drena pus.

 

A quem atinge?

Assim como a retocolite, a DC tem dois momentos da vida onde costuma acometer, o primeiro entre os 15 e 25 anos e o segundo dos 55 aos 65 anos. Pode ocorrer na infância, embora seja incomum. Quanto ao sexo, a frequência varia bastante, ocorrendo mais entre mulheres em alguns locais e entre homens em outros.

As doenças inflamatórias intestinais são doenças típicas de países industrializados, indicando que existem fatores ambientais que podem influir, porém esses fatores não são completamente conhecidos. O Brasil é considerado um país onde essas doenças não são muito comuns, porém isso vem mudando nos últimos anos e as doenças vem sendo mais diagnosticas no nosso país.

A presença de casos de DC na família é o principal fator de risco para a doença, porém outros possíveis fatores podem incluir: dieta pobre em fibras, viver em zona urbana, uso de antiinflamatórios ou anticoncepcionais, infecções intestinais prévias e a retirada do apêndice. O fumo parece também aumentar o risco de desenvolver doença de Crohn. Já o aleitamento materno tem se mostrado como um fator protetor.

 

Quais os sintomas?

Como a doença de Crohn pode atingir diversas partes do trato digestivo ela pode gerar uma grande variedade de sintomas. Geralmente os sintomas vêm na forma de crises que duram de dias a meses, intercaladas por períodos sem sintomas (remissão), que também tem duração variável. A diarréia é o sintoma mais comum e se caracteriza por evacuações não muito frequentes. Pode haver sangue e muco nas fezes, porém esses aspectos não são comuns, exceto quando envolve o final do intestino grosso.

A dor na barriga é outro sintoma bastante comum, normalmente de intensidade alta ou moderada, contínua e do lado direito da barriga. Dores tipo cólicas, no “pé da barriga”, que aliviam ao defecar indicam acometimento do intestino grosso. Sintomas gerais como febre, fraqueza e perda de peso também ocorrem frequentemente.

Quando atinge outras partes do sistema digestivo, a doença de Crohn pode causar úlceras na boca, dificuldade de engolir e sintomas de úlcera péptica, no caso de acometer estômago ou duodeno.


Quais os riscos e complicações?

A complicação mais característica da DC é a formação de fístulas, que são comunicações entre dois órgãos que normalmente não se comunicam, ou entre partes do mesmo órgão, como no intestino, causando uma espécie de curto-circuito. Podem aparecer fístulas dentro do próprio intestino delgado ou do delgado para o grosso, causando diarréia. Também pode haver fístula do intestino para a parede abdominal, com a saída de pus e material fecal por um pequeno orifício na barriga; fístula do intestino para a bexiga, levando a infecções urinárias e presença de ar na urina, além de muitas outras. Dentre as mais comuns, a mais evidente é a fístula perianal, levando a feridas dolorosas ao redor do ânus, saída de líquido intestinal pela fístula e formação de abscessos, que são coleções de pus. O mesmo processo envolvido na formação de fístula pode levar à perfuração do intestino, quadro que pode ser grave.

Outra complicação da doença de Crohn é a formação de estenoses intestinais, que são estreitamentos do intestino, podendo causar obstrução à passagem de fezes e gases. Megacólon tóxico, uma dilatação repentina do intestino grosso também pode ocorrer. Pacientes com muito tempo de DC tem uma pequena chance de desenvolver câncer de cólon.

As complicações fora do intestino variam bastante e incluem: inflamação nos olhos (uveíte e episclerite), artrite de grandes articulações como o quadril, enrijecimento da coluna (espondilite anquilosante), acometimento do fígado e vias biliares (colangite esclerosante), lesões de pele (manchas avermelhadas, feridas ou nódulos), trombose de veias e acometimento de rins e pulmões. A DC pode ainda predispor à formação de cálculos renais.

 

Como é feito o diagnóstico?

O médico fará a suspeita de doença de Crohn com base nos sintomas do paciente, na história familiar e no exame físico, utilizando então algum exame de visualização para confirmar o diagnóstico. O principal exame é a colonoscopia, onde com um endoscópio inserido pelo ânus é possível se observar até a parte final do intestino delgado e coletar material para biópsias se necessário. Como todo o sistema digestivo pode estar acometido, geralmente são também pedidos uma endoscopia alta (exame através da boca) e séries de radiografias após deglutição de contraste.

Em casos de dúvidas podem ser pedidos exames de sangue específicos (sorologias) e no caso de suspeita de complicações outros exames como estudo radiológico contrastado do intestino, tomografia computadorizada e ressonância magnética podem ser utéis.

 

Como é o tratamento?

A escolha do tratamento depende da gravidade e da extensão da doença, além da presença ou não de complicações. O objetivo do tratamento na doença não complicada é atingir e manter os períodos sem sintomas pelo maior tempo possível (remissão), geralmente requerendo remédios de uso prolongado.

Na maioria das vezes o tratamento consiste no uso de medicações para controle da inflamação intestinal. Geralmente são usadas por via oral, porém, podem ser usadas por via anal, na forma de supositórios ou enemas (“lavagens”). As medicações em geral conseguem bons resultados, com melhora dos sintomas em poucas semanas e remissão por longos períodos, embora essa resposta varie de caso para caso. É importante frisar que os medicamentos usados são fornecidos pelo SUS e para ter acesso a eles basta procurar um dos centros de referência da sua cidade ou estado.

Outros medicamentos geralmente são usados em suporte ao tratamento principal, como analgésicos, antibióticos, além de suplementos alimentares e outros. Remédios que inibem a acidez do estômago podem ser usados quando este órgão for atingido. Pomadas podem ser usadas para alívio das ulceras na boca e no tratamento de fissuras anais.

Formas graves (com sangramento ou dor abdominal intensos, perda de consciência, queda rápida do estado geral) devem ser sempre tratadas em emergência hospitalar visando evitar ou detectar precocemente o aparecimento de complicações. Nunca se deve postergar a procura ao médico.

 

Quando é necessário fazer cirurgia?

Na doença de Crohn a cirurgia é geralmente reservada para casos especiais. Apesar disso, a operação, em algumas situações, pode ser a melhor maneira de trazer bem estar para o paciente. Uma parte das pessoas com DC poderá precisar de cirurgia em algum momento da vida. As principais indicações cirúrgicas na DC são o tratamento de complicações (fístulas, obstrução, perfuração) e na doença com resposta incompleta aos medicamentos.

O tipo de cirurgia varia de acordo com a área atingida e o tipo de complicação. Na maioria das vezes envolve a retirada do segmento do intestino que está apresentando a complicação, quando se tenta retirar a menor quantidade possível. Fístulas perianais geralmente são tratadas com uma combinação de medicamentos e cirurgia e algumas vezes voltam a acontecer.

A maioria dos pacientes operados tem uma resposta muito boa e permanecem longos períodos assintomáticos após a cirurgia.

 

Que cuidados devo ter durante o tratamento?

O tratamento da doença de Crohn geralmente é para a vida toda, longos períodos sem sintomas são bons sinais de que o tratamento está sendo eficaz, por isso não se deve abandoná-lo! Por melhor que o paciente se sinta, não deve nunca suspender ou diminuir a dose dos medicamentos sem o conhecimento do seu médico, pois isso pode acarretar retorno dos sintomas e tornar o controle mais difícil. Também não deverá tomar remédios sem o conhecimento médico, já que medicamentos como antiinflamatórios e anti-diarréicos podem piorar os sintomas.

De maneira geral, a DC não impede a mulher de engravidar nem está diretamente associada a problemas na gravidez, mas pacientes com a doença que desejem engravidar ou que já estejam grávidas devem buscar um acompanhamento mais rigoroso e ampliar os cuidados durante a gestação.

Um dos grandes problemas da doença de Crohn pode ser a desnutrição, que algumas vezes está associada. Por isso, uma dieta variada e equilibrada é muito importante para manter-se saudável, o ideal é que haja um acompanhamento de um profissional da nutrição. Não está ainda comprovado que alimentos específicos melhorem ou piorem os sintomas ou o curso da doença, o paciente deve procurar perceber os alimentos que lhe fazem bem ou mal e a partir daí elaborar sua dieta, mas atentando que só deverá eliminar alimentos que repetidamente causam sintomas e só após consulta com médico ou nutricionista.

Evitar o estresse também pode ser uma boa maneira de atenuar os sintomas da doença e aumentar o período sem sintomas. Por isso evitar fatores estressantes, procurar praticar exercícios físicos regularmente e relaxar sempre que possível são sempre boas dicas. É claro que isso nem sempre é fácil, como em qualquer doença crônica. Por isso a pessoa nunca deve se envergonhar de procurar ajuda de profissionais, como psicólogos, psiquiatras, ajuda de grupos de pessoas com doenças similares ou mesmo dividir com amigos e familiares as suas preocupações e angústias. O tabaco está diretamente relacionado à piora dos sintomas na doença, por isso abandonar o cigarro é uma medida muito importante, a ajuda profissional também pode ser muito importante nesse caso.

Na doença de Crohn, com a ajuda profissional correta e auxílio de amigos e familiares, cada vez mais pacientes têm conseguindo viver uma vida normal e saudável. Porém, o equilíbrio e o controle adequado da doença dependem também do esforço e determinação de cada paciente.

 

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