Colelitíase

Autores: Gustavo Carneiro Gomes Leal1, Dr. Marcelo Costa Silva2

1-Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Medicina
2-Médico Gastro-hepatologista

 

O que é?

Colelitíase é o nome dado à formação e à presença de cálculos na vesícula biliar, é a popular “pedra na vesícula”.  Para entender melhor esse processo e suas consequências, é importante conhecer o sistema biliar, que é o sistema do corpo responsável pela produção e transporte da bile.

Vias Biliares

A bile é um fluido amarelo-esverdeado que contribui para a digestão e absorção de gorduras e algumas vitaminas; contém colesterol e outras gorduras, sais biliares e pigmentos como a bilirrubina (que dá cor à bile). Ela é produzida no fígado e então conduzida para a vesícula biliar onde é concentrada e armazenada para, no momento da refeição, ser liberada no intestino. A vesícula biliar é um pequeno saco, como uma bola de soprar murcha, localizada próxima ao fígado.

Enquanto em jejum, a vesícula biliar está relaxada e recebe a bile que flui reversamente através do ducto cístico. Na vesícula, a bile é armazenada e concentrada. Quando a pessoa se alimenta, a chegada de gordura no intestino estimula a contração da vesícula, expulsando a bile que segue para o ducto colédoco e daí para o intestino.

Cálculos biliares são verdadeiras pedras formadas dentro da vesícula biliar devido à deposição de cristais, que podem ser constituídos tanto de colesterol, os mais comuns, quanto de pigmentos biliares, menos comuns. As pedras podem variar bastante em número, tamanho e forma.

Diversos fatores podem facilitar a formação de cálculos na vesícula, a principal é o desequilíbrio dos constituintes da bile, como excesso de colesterol ou pigmentos, mas também pode se dever a uma diminuição nas contrações da vesícula.

Existem também alguns fatores que aumentam o risco de desenvolver cálculos; eles são mais comuns em mulheres, em pessoas acima dos 40 anos ou que tenham história de cálculos na família. Outros fatores podem contribuir, como obesidade ou perda de peso muito rápida, sedentarismo, jejuns frequentes e doenças como o diabetes, anemia falciforme e doenças do fígado.

 

Quais são os sintomas?

Na maioria das vezes, as pedras na vesícula não causam sintoma algum, e as pessoas vivem a vida toda sem saber que as tem ou acabam descobrindo incidentalmente, ao fazer exames por outra causa. Os sintomas aparecem principalmente quando há um deslocamento do cálculo para a saída da vesícula ou para algum dos ductos.

A principal manifestação da calculose biliar é a chamada cólica biliar ou cólica de vesícula. Acontece geralmente quando a vesícula se contrai para expulsar a bile e um cálculo acaba se movendo e sendo pressionado contra o orifício da vesícula, obstruindo a saída. Isso gera um quadro de dor intensa no abdome, geralmente do lado direito abaixo das costelas ou na “boca do estômago”, mas que pode migrar para as costas e para o ombro direito. Também podem ocorrer náuseas e vômitos junto com a dor. Como a vesícula é estimulada pela chegada de gordura no intestino, os quadros de cólica muitas vezes ocorrem após uma refeição gordurosa e a dor desaparece após algumas horas (média de 3h), quando a vesícula deixa de ser estimulada e relaxa e o cálculo deixa de obstruir.

A colecistite é outra doença em que as pedras podem causar sintomas. Colecistite significa inflamação da vesícula biliar, que pode acontecer de forma aguda (súbita e rápida) ou crônica (arrastada e prolongada). Geralmente, mas nem sempre, a colecistite está associada à presença de cálculos.

A colecistite aguda geralmente decorre de obstruções frequentes ou de uma obstrução prolongada, que normalmente acontece quando a pedra sai da vesícula e fica presa no ducto cístico. O início do quadro é parecido com o da cólica biliar, porém, ultrapassa seis horas de duração e pode surgir febre e a barriga ficar extremamente dolorosa ao ser tocada. A colecistite aguda é uma doença que pode se tornar grave e ter complicações sérias, porém se identificada a tempo pode ser tratada.

A colecistite crônica acontece quando existe uma inflamação prolongada da vesícula, que se torna cicatricial e endurecida. Muitas vezes os sintomas são inespecíficos, como sensação de estômago cheio, arrotos, enjôos e desconforto abdominal. Porém a apresentação característica é de dor constante na “boca do estômago” e abaixo das costelas à direita, com ataques em que se torna mais intensa, associados à alimentação gordurosa. Ao contrário da colecistite aguda, geralmente não há febre e dor intensa ao toque do abdome.

Uma outra manifestação da presença de cálculos é a icterícia, uma coloração amarelada da pele e olhos decorrente do aumento da bilirrubina no sangue. Quando um cálculo sai da vesícula e se prende no ducto colédoco obstrui o fluxo da bile, que extravasa para o sangue, levando à icterícia. Em alguns casos de colecistite pode haver também icterícia.

 

Pode haver alguma complicação?

As pedras biliares podem causar algumas complicações, que, dependendo do caso, podem ser bastante graves. As mais importantes são a colangite aguda, decorrente da infecção dos ductos biliares; a pancreatite aguda, uma inflamação do pâncreas que cursa com dor abdominal muito intensa; e a cirrose biliar secundária, que leva a danos irreversíveis no fígado.

 

Como é feito o diagnóstico?

O diagnóstico da colelitíase é feito com a identificação da presença das pedras biliares na vesícula ou nos ductos. Isso é feito com exames de imagem, sendo o mais usado a ultrassonografia de abdome, porém outros como tomografia, ressonância, endoscopia e CPRE podem ser utilizados conforme a necessidade.
Porém a confirmação da presença de cálculos nem sempre significa que os sintomas apresentados são causados por eles, por isso outros exames podem ser pedidos para investigação das doenças sob suspeita.

 

Existe tratamento? E como é feito?

Existem diferentes possíveis abordagens diante de um diagnóstico de colelitíase. A escolha da abordagem vai depender principalmente se as pedras estão causando sintomas ou não.
Na presença assintomática de cálculos, pode-se adotar dois tipo de conduta uma é a conduta chamada expectante, na qual a pessoa não receberá nenhum tratamento, será apenas orientada a observar o aparecimento de sintomas, e a outra é a conduta cirúrgica, com retirada da vesícula. A escolha da conduta varia de caso para caso e de hospital para hospital. A conduta expectante pode parecer perigosa, mas, como já foi dito, a maioria das pessoas vive toda a vida sem apresentar nenhum sintoma, então grande parte dos médicos acredita que o risco de submeter o paciente a uma cirurgia é maior do que o risco de não fazer nada, justificando assim essa conduta. Uma conversa com seu médico é fundamental para conhecer a conduta escolhida.

Quando os cálculos causam sintomas, geralmente se adota uma conduta mais ativa, na maioria das vezes, cirúrgica. A colecistectomia, ou seja, a retirada cirúrgica da vesícula biliar, é o procedimento de escolha para o tratamento da colelitíase sintomática ou com complicações. Ao contrário do que possa parecer, a retirada da vesícula tem poucas consequências na digestão. Fezes amolecidas e gases podem aparecer em metade dos pacientes operados, porém, na maioria das vezes é leve e não requer tratamento.

Apesar de parecer exagero retirar a vesícula, é uma cirurgia bastante segura e é a melhor forma de eliminar as pedras existentes e evitar a formação de novas. Existem dois tipos de colecistectomia, a convencional ou aberta e a videolaparoscópica. Na primeira, é feita uma incisão (corte) de 6 a 15cm e o paciente fica em média 3 dias no hospital.

Na via laparoscópica, uma câmera de vídeo e os instrumentos são inseridos através de 3 ou 4 pequenos cortes na barriga. Nesta via, a recuperação é mais rápida e o paciente geralmente recebe alta já no dia seguinte. Ambas cirurgias podem cursas com dor no pós-operatório, além de enjôos e vômitos, embora sejam mais comuns e duradouros na via aberta. O paciente deverá entrar em contato com o médico em caso se:

  • Apresentar febre constante (acima de 38oC)
  • Começar a ficar com a pele ou os olhos amarelos (icterícia)
  • Náuseas e vômitos persistirem
  • Sangrar a ferida operatória continuamente
  • Aumento da dor abdominal ou a barriga inchar.
  • Tiver calafrios
  • Houver tosse persistente ou respiração curta
  • Tiver dificuldade de engolir líquidos ou sólidos após o período normal de recuperação
  • Mostrar secreção pela ferida operatória.

Existem outros tratamentos não-cirúrgicos para as pedras na vesícula que podem ser usados em algumas situações. Dentre os principais podem ser citados a dissolução dos cálculos com ácidos biliares por via oral e a quebra dos cálculos por litotripsia extra-corpórea (semelhante a usada para pedra nos rins). É preciso reforçar que esses tratamentos não mostraram boa eficácia na colelitíase e que só são indicados em ocasiões especiais, já que a principal forma de tratamento é a cirurgia.

Um caso especial é quando o cálculo não está mais na vesícula e sim preso no ducto colédoco, impedindo o fluxo da bile e causando icterícia. Neste caso a pedra geralmente é retirada através de um procedimento chamado CPRE (colangiopancreatografia-retrógrada-endoscópica), no qual, através de uma endoscopia pela boca, se chega no orifício por onde a bile sai para o intestino e se insere nele uma “cestinha” que vai até o colédoco e “capura” a pedra que é então removida.

As complicações da colelitíase têm diagnóstico e tratamentos à parte e são explicados nos capítulos específicos.

 

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